Ogum

Também conhecido como Ologum, Ogoun, Gu, Ogun , Oggún, Ogulê (em iorubá: Ògún), Ogum é o orixá ferreiro, senhor da guerra, do ferro, da agricultura, tecnologia, da coragem e o protetor dos templos. O próprio Ogum forjava suas ferramentas, tanto para a agricultura e caça, como também para a guerra. Ogum é considerado o principal orixá a descer do Orun (céu) para o Aiye (Terra) após a criação, um dos semideuses que visava uma futura vida humana. Em comemoração a tal acontecimento, um de seus vários nomes é Oriki ou Osin Imole,que possui o significado de “primeiro orixá a vir para a Terra”. Ogum provavelmente foi a primeira divindade cultuada pelos povos iorubá da África Ocidental. Acredita-se que ele tenha "wo ile sun", que significa “afundar na terra e não morrer”, em um lugar chamado ‘Ire-Ekiti’.

Ogum era um guerreiro que brigava constantemente contra os reinos vizinhos. Dessas expedições, ele costumava trazer sempre um rico espólio e numerosos escravos. Guerreou contra a cidade de Ará e a destruiu. Ogum saqueou e devastou muitos outros estados e apossou-se de uma cidade chamada Iré, matou o rei, ao aí instalou seu próprio filho no trono antes de regressar glorioso, utilizando ele o mesmo título de Oníìré, “Rei de Irê”.

Diferentes Mitologias

Tradicionalmente um guerreiro, Ogum é visto como um divindade poderosa dos trabalhos em metal e senhor da guerra, semelhante a Ares na mitologia grega e Genesha na mitologia hindu. Ogum é poderoso e triunfal, no entanto, também exibe a raiva e a destrutividade de um guerreiro cuja força e violência podem virar contra a comunidade que ele serve. É através da magia e da profecia que ele dá a força, e é procurado para ajudar pessoas a obter mais um governo que dê resposta às suas necessidades.
Curiosidade: No livro Mayombe do escritor Pepetela, Ogum chega a ser comparado com o Prometeu:

“Aos guerrilheiros do Mayombe, que ousaram desafiar os deuses
abrindo um caminho na floresta obscura, vou contar
a história de Ogun, o Prometeu africano.”

— Pepetela (Mayombe - 1980)

Mito: Ogum dá ferro aos deuses

Ogum é um dos deuses mais importantes do extraordinário panteão dos deuses africanos. A história a seguir, além de contar como Ogum deu aos deuses e aos homens o conhecimento do ferro, também é relato de uma espantosa ingratidão.

Estamos na cidade nigeriana de Ifé. Homens e deuses labutam o sob o sol inclemente da África. Para lá e para cá, eles andam, com seus rostos demasiadamente suados a luzirem como pequenos sóis negros. Às vezes, um camelo morria de insolação. Nuvens amarelas de pó rodopiam ao redor da sua carcaça em redemoinhos sinistros.

A vida nunca fora tão dura em Ifé. A seca intensa tornou o trabalho na agricultura uma provação odiosa.

— Droga de instrumento! - disse um dos deuses, lançando fora uma pá de madeira quebrada.

— Com este solo cada vez mais seco e gretado, acaba sendo quase impossível arar a terra! - diz o outro, com o seu arado de pedra lascado.

Não existe um único instrumento que preste em toda a cidade. Na verdade há alguns instrumentos de metal, mas um metal tão ordinário que o melhor mesmo é continuar a valer-se da madeira ou da pedra.

— Só com muita fé mesmo para viver em Ife! — colocavam a maldizer as vozes.

— Deixem comigo! — Disse Ossaim, o deus da medicina, prontificando-se.

Os demais entreolharam-se, altamente descrentes.

— O que um deus da medicina entende de plantação? — perguntaram.

Ossaim, porém, tomou seu facão de pedra e foi confiante para o mato.
Não dá outra. Dali a pouco retornou só com o cabo nas mãos. Um coro de risinhos fungados cicia no ar.
É a minha vez, Xangô prontificou-se a limpar o terreno.

— Vou mostrar-lhes como se faz! Idiotas!

Xangô saiu e não demorou muito para voltar com o facão de metal mole todo retorcido.
E assim foram e voltaram todos os deuses, com um sorrio amarelo no rosto e um instrumento quebrado nas mãos O fracasso instaurara definitivamente o caos entre eles.

— Faça alguma coisa, Oxalá! – clamaram todos ao velho deus, que permaneceu alheio tudo.

— Não me aborreçam! — disse ele.

Ogum, entretanto, assistiu a toda confusão com um sorriso de piedade nos lábios. Assim que a discussão esquentara de verdade, ele ergue sua estatura colossal de ébano e, sem dizer uma palavra, rumou para o terreno.

— Não perca seu tempo! — disse-lhe alguém, mas o deus já tinha se retirado.

Em sua mão reluzia um machado e, na ponte deste, uma lâmina de um brilho ofuscante.

* * *

Durante todo o restante do dia, ouviram-se retinir o machado de Ogum, a devastar o terreno. Imensas árvores tombaram de minuto a minuto, numa época em que desmatamento era virtude.

— 328! — dizem os deuses, assombrados, embora ainda haja quem duvidasse do triunfo de Ogum.

— Logo, logo ele volta cm o machadinho em pedaços! — disse o debochado.

Mas ele não voltou com o machadinho em pedaços. Ao contrário, aumentaram ainda mais os estrondos das árvores assassinadas.

— 329!

A devastação prosseguiu durante a noite inteira. Ogum, à luz do lua criada por Iemanjá, limpou todo o terreno e só ao amanhecer retornou a Ifé. Seu corpo lavado de suor brilhava tanto quanto ao gume intocado do seu machado.

— Conseguiu? — perguntou o vexado Ossaim, pela boca do seu duende pernalta.

— Vão e vejam — respondeu ele, erguendo com um único braço uma bilha enorme de água.

Os deuses vão e deparam-se com o terreno interamente limpo.

— É o tal machado — diz Oxóssi, o deus da caça.

Logo estavam todos ao redor de Ogum, admirando o brilho e a dureza da lâmina do seu machado.

— Como conseguiu fazer uma lâmina tão rija? — perguntaram os deuses.

— É um segredo que Orunmilá me ensinou — respondeu o deus laconicamente.
(Orunmilá é o arqui-sábio deus dos oráculos, repositório inesgotável de segredos e mandingas).

Mas os deuses querem, por todos os modos, saber.

— Pelo amor de nós, nos ensine fabricar ferro!

Ogum porém reluta, dizendo que Orunmilá lhe pediu segredo.

— Segredo! — exclamou Xangô — E vamos morrer à míngua por causa de segredinhos?

Não, não é nada justo que tal aconteça. Foi quando compreenderam que é chegada a hora de negociar.

— O que você quer Ogum egoísta, para nos revelar o segredo do ferro? — perguntou alguém.

O deus silencia. Seu silêncio é a resposta suficiente.

— Está bem, você será nosso rei! — dizem todos os estômagos, a tinirem de fome.

Diante disso, Ogum aceita revelar o seu maravilhoso segredo.

— Viva! — exclamaram todos, em coro.

— Desta vez Ifé vai tirar o pé do esterco!

E tirou mesmo.
Ifé passou a ser duas: antes do ferro e depois do ferro.
Antes do ferro, Ifé era o fim-do-mundo. Com o advento do ferro, Ifé passou a prosperar a olhos vistos. Não se andavam trinta passos pela cidade sem topar-se com uma oficina, a vomitar faíscas e instrumentos de extraordinária resistência.

— E tudo isto graças a Ogum! — dizia a canalha bendizente das ruas.

Sim, graças a ele os homens agora tinham instrumentos resistentes para tratar a áspera terra, além de lanças agudíssimas para poder atravessar os músculos e ossos dos animais e inimigos.
Ogum tornara-se, com toda a justiça, rei de Ifé.

— Se não fosse por elem ainda estaríamos de quatro, a cavar a terra com nossos próprios dedos! — acrescentou a canalha bendizente das ruas.

Tudo estava em contentamento em Ifé; o progresso finalmente chegara!

* * *

Com aumento da riqueza, deuses e homens agora já podiam andar até melhor vestidos, novas vestimentas agora lhes davam um charme novo e todo especial.

— Viram só o meu vestido novo fulana? — exibia-se, nos grupinhos, todas as vezes que uma jovem aparecia com uma túnica nova e deslumbrante.

Então, vendo que em Ifé era alegria e contentamento, Ogum decidiu tirar umas férias.

— Vou caçar — disse ele, também feliz, escolhendo a sua melhor lança.

Nos dias posteriores, ninguém ouviu falar no rei de Ifé. Na verdade, ninguém queria ouvir, de tão ocupados que estavam em se embonecarem, de tal sorte que, quando o deus da metalurgia voltou, imundo e fedendo a bicho do mato, Ifé mais parecia um gigantesco e perfumado arco-íris.

Exausto do jeito que estava, Ogum desfilou pela cidade, em farrapos, espalhando um aroma de carniça e estrume pelo ar. Imediatamente, as narinas sensíveis dos habitantes de Ifé s revoltaram.

— Como se atreve a reaparecer fedendo desse jeito? — esbravejou a canalha maldizente das ruas.
Ogum embasbacou.

— Que palavras são essas dirigidas a um rei? — perguntou ele, ainda mais ofendido por ver os deuses misturados à corja.

— A canalha maldizente das ruas está mas ido que certa! — disse um dos deuses.

— Nós não queremos um rei porco!

— Sim, um rei e um deus não devem andar neste estado indigno! — esbravejou outro.

— Então é isso! — disse o pobre ex-rei.
— Dei o ferro e agora levo ferro!

Não houve, porém uma sequer voz, dentre os deuses e homens, que se levantasse para tomar a sua defesa, de tal modo que Ogum, desfeiteado até a raiz dos cabelos, deu as coisas e partiu para sempre de Ifé. Após lavar-se nas águas de um rio, vestiu uma tanga feita com folhas da palmeira e mudou-se Irê, uma outra cidade, um lugar bem distante da presunçosa Ifé.

Sentado, como um Buda preto debaixo de uma árvore, o senhor da guerra e da metalurgia desde dentão, consome a maior parte do seu tempo em deliciosas meditações acerca da ingratidão divina e humana.

Baseado no livro: As Melhores Histórias da Mitologia Africana