Orixás

Os Orixás concebem as deusas e os deuses africanos como seres sobrenaturais bastante parecidos com os humanos, além também de corresponder a pontos de força da natureza. De acordo com a definição de Pierre Verger, os orixás são ancestrais divinizados que outrora, devido à força de sua existência, estabeleceram relações com elementos da natureza e com diversas funções sociais. Alguns Orixás consistem em divindades que um dia foram pessoas vivas e que somente após a morte tornaram-se Orixás, isso ocorre porque durante a vida essas pessoas passaram a desenvolver e a dominar determinada atividade. Por exemplo Ogum, o Orixá da metalúrgica, portador do ferro e do fogo, ele quando ser humano foi grande sábio na forjação de suas próprias ferramentas, após sua morte ele tornou-se Orixá. Aqueles que apresentavam o domínio sobre a arte da fundição e da moldagem eram considerados protegidos por Ogum. O mesmo se aplica a outras divindades, com dons diferentes sob outras atividades, e dessa forma se constrói uma conexão com os ancestrais.

EXU

Exu é um deus africano, também conhecido como Esu, Eshu, Bará dentre outras maneiras, sendo ele cultuado em algumas cidades como em Abeokuta, Ekiti, Lagos, Ijebu, Ilesa e Ondo. Exu representa a fertilidade masculina dentro da visão iorubana, representado em diversas imagens com um falo. Além disso, Exu é o orixá que representa também a paciência, a comunicação, a disciplina e a ordem. Ele é o guardião das aldeias, casas, cidades, do axé e do comportamento humano. Em iorubá, a palavra Èsù significa “esfera” e na verdade, Exu é o orixá do movimento, o movimento em espiral em que acontece na evolução do seres humanos. Ele é responsável por receber as oferendas em primeiro lugar, com o objetivo de assegurar que tudo ocorra bem e de maneira correta, garantido que sua função de mensageiro entre o Orun (mundo espiritual) e o Aiye (mundo material) seja plenamente realizada.
“Sem o Exu, nenhuma comunicação com o mundo espiritual é possível.”

Sincretismo Religioso

Na época da colonização europeia no continente africano, devido ao seu estilo brincalhão, irreverente e à forma como era representado nos cultos, Exu fora erroneamente sincretizado com o diabo cristão pelos colonizadores. Porém, é necessário ter em mente que a noção originária de Exu vem da África de milênios atrás. Com a vinda dos africanos para o Brasil como pessoas escravizadas, suas manifestações religiosas foram reprimidas havendo um lento processo de sincretismo, e para poderem continuar com a sua religião tiveram que adapta-la. Os orixás foram associados a santos católicos, e como a religião africana não tinha o conceito de bem e mal como o catolicismo, pelo menos um orixá tinha que representar o diabo, sendo esse papel reprimidamente designado a Exu.

MITO: Exu e os dois lavradores

Havia dois lavradores que se encontravam todos os dias, logo cedo, para irem cultivar as suas respectivas terras.

— Bom dia meu bom amigo! como você está? — dizia o primeiro, todas as manhãs.

O outro respondia com a mesma simpatia:

— Bem, e você, meu caro amigo?

Como estava na época de seca, nunca se esqueciam de fazer suas oferendas a Exu.

— Meu bom Exu, dai-nos a chuva e uma boa colheita! — diziam ambos a uma só voz.

Apiedado dos dois, Exu encontrou uma maneira de atender ao pedido e a chuva veio, finalmente. Com a enxada em punho, ambos puseram-se a lavrar suas terras com tanto gosto que obtiveram uma bela colheita.

— Veja só o fruto do meu trabalho! — disse o primeiro lavrador.

— Aprecie a minha colheita! — respondeu o outro mostrando o seu celeiro abarrotado.

Nenhum deles, no entanto, lembra-se de agradecer a Exu.

— Miseráveis — disse o Orixá. — Se tem algo que não gosto e abomino é ingratidão!

Assim, na medida em que Exu abominava a ingratidão, amava igualmente uma boa vingançazinha, e logo tramou uma, bem ao seu gosto. Após tomar dois pedaços de tecido – um branco e outro vermelho – costurou um gorro com uma cor de cada lado e esperou que amanhecesse para vê surgir os dois lavradores.

Antes mesmo de o sol aparecer, lá estavam os dois, com a enxada em punho.

— Bom dia, amigo!

— Como vai, meu caro?

Postados de frente um para o outro, cada qual em suas respectiva terra, começaram a arar, até que viram surgir na estradinha de chão batido que os separava um sujeito com um gorro enorme e chamativo. Bem lentamente, passou entre os dois, a balançar o seu barrete pontudo.

Na verdade, o enfeite era tão chamativo que o primeiro não se pôde conter a malícia.

— Mas que gorro horrível hein vizinho! — berrou o primeiro ao segundo

— Mais do que isso, nunca vi um gorro branco tão horroroso! — berrou o segundo ao primeiro.

Então, o primeiro corrigiu o segundo com um ar autoritário:

— Você está cego? Não viu que era vermelho?

O outro, vagamente confrontado, não deixou de responder:

— Está com conjuntivite, compadre? Está claro que é branco!

Aos poucos o estranho sumiu na distância. Sua semente, porém, ficou bem plantainha.

“Não gostei nada dessa história de chamar-me de cego!” , pensou o segundo.

“Ora só, a debochar de mim com esta história de gorro branco”, pensou o primeiro.

Depois de um breve tempo, o estranho voltou e passou novamente no meio dos dois. Vexado, o primeiro lavrador teve admitir que o gorro era mesmo branco.

— Desculpe-me amigo, mas você está certo. — berrou ele, vexado. — O gorro erro é branco mesmo!

— Como assim? bradou o segundo — O gorro é vermelho, do jeito que você disse! Sei bem reconhecer meu erro!

Então a situação esquentou pra valer.

— Pelo visto, você quer contrariar-me hoje de tudo que digo! — disse o primeiro. — Lá está, é branco!

— Mas você é teimoso hein, não quer dar o braço a torcer! Não está vendo que é vermelho?

— Imbecil! É BRANCO!

— Cretino! É VERMELHO!!

Exu se divertiu ao ver os dois lavradores abandonarem suas lavouras, avançarem rapidamente e a executar um magnífico duelo de enxadas. Depois de alguns desastrados golpes, ambos melhoraram a pontaria, a ponto de acertarem simultaneamente bons e certeiros golpes nas respectivas cabeças, tingindo-as, dos dois lados, de um vermelho inequívoco.

Somente após os dois lavradores caírem moribundos sobre o solo, foi que Exu retornou até eles.

— Quanto à minha carapuça, nada direi — disse ele como um juiz discreto e justo. — Agora, no que diz respeito a vocês, declaro solenemente que são as duas carapuças mais avermelhadas já existidas neste mundo!

Baseado no Livro: As melhores histórias da Mitologia Africana.